sábado, 12 de setembro de 2009

Fotografia da autoria de António Manuel Pinto da Silva

Porque embora se sinta que por vezes as "palavras estão gastas", acredito que haverá sempre lugar para novas palavras. Quer seja em prosa, em verso ou simplesmente em jeito de desabafo, quando tudo aquilo que se quer dizer, já não nos cabe no peito. As minhas, as palavras, vão andar por aqui...



Adeus - Eugénio de Andrade


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.



Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.


Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.


Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certezade que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.


Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.



Adeus.

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